edição número 35 - newsletter Buteco do Edu
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FOI ISSO QUE EU QUIS VIVER
O verso de Aldir Blanc, mais uma vez um verso de Aldir Blanc, vem bem a calhar - “(…) foi isso que eu quis viver (…)” é de 50 anos, dele e de Cristóvão Bastos (aqui).
Hoje é 11 de março, dia em que nasceu meu irmão mais novo, o caçula. Mas aquele 11 de março de 1975, há 50 anos portanto, não foi exatamente de festa. O piá nasceu prematuro (dizem que fruto de erro médico) e apresentou, assim que nasceu, a temida síndrome da membrana hialina - sou capaz de ouvir a voz da mamãe repetindo pela milésima vez essa história.
Em estado grave, ficou entre a vida e a morte por uns bons dias.
Dizia-se que papai andava de um lado para o outro (“como um leão!”, contava vovó, orgulhosíssima do genro) pelos corredores da Beneficência Portuguesa, no bairro da Glória, atrás do médico responsável pelo erro de avaliação da parturiente, minha mãe (por óbvio).
Era um japonês.
Tinha metade do tamanho de papai.
E era posto contra as paredes da maternidade a cada encontro.
Meu pai, com o dobro do tamanho que tinha (movido pela ira santa daqueles dias), punha a boca a poucos centímetros da boca do médico. E dizia, entre dentes e cuspindo:
— Reze, torça, torça muito para que ele sobreviva.
Tinha os olhos vazados, meu pai.
E os olhos atravessavam o corpo daquele homúnculo de branco, sempre com o estetoscópio no pescoço fino.
Hoje, 50 anos depois, é evidente que esse episódio - dramático - esfumou-se; mas eu de nada me esqueço.
Lembro-me da angústia da espera no apartamento 602 do edifício 90 da rua São Francisco Xavier. O berço branco, de madeira, vazio, esperava o terceiro filho que, por sua vez, lutava para viver dentro da encubadora, na maternidade que está viva ainda lá mas que ganhou outro nome.
Até que chegou, o mais novo (não tenho vaga idéia do tempo que levou, do nascimento à chegada em casa).
Tenho dezenas de fotos digitalizadas que dão conta do que foram aqueles dias de verão em 1975.
Éramos três meninos e sou capaz, também, de ouvir de novo mamãe repetindo um de seus mantras:
— E ainda perdi dois, entre o primeiro e o segundo e entre o segundo e o terceiro! - com um evidente orgulho não se sabe exatamente do quê.
Ah, lembrei:
— Todos homens! Todos homens!
Nesses cinqüenta anos, que não são cinqüenta dias, muita coisa aconteceu.
O casal da foto abaixo, papai e mamãe, tem agora três filhos acima dos 50 anos de idade - deve ser, imagino, emocionante.
Éramos, até passado não muito distante, como se diz por aí, uma família-margarina. A mim pouco importava, faço (de novo) a confissão, que assim fosse.
Mas há, no mundo, quem goste de samba e de festa.
Ocorre que há, também, quem goste de tango e de tragédia.
Há quem goste da poesia e do lirismo de Tom Jobim.
Há quem prefira o drama e a densidade de Astor Piazzolla.
Há, evidentemente, espaço para tudo e para todos.
Mas há quem não pense assim.
Nada disso vem ao caso hoje.
O que me coube fazer na noite de ontem, véspera dessa efeméride, eu fiz.
E divido aqui com vocês, que sabem que a exposição permanente do que me vai na alma é exercício indispensável para mim, o que fiz.
E como disse à mamãe na manhã de hoje, a mim não importa que eu não tenha recebido nem a mais seca, a mais árida, a mais rasa das respostas.
A mim importa que as pessoas que me importam saibam como as coisas estão postas.
“Oi, Cris, vou chegar de véspera por algumas razões. A poética: eu poderia dizer que essa mensagem é prematura, como foi sua chegada - e dela me lembro bastante bem. A real: eu não quero que essa mensagem chegue no meio do (imagino) turbilhão de mensagens que você vai receber por conta dos seus 50 anos, algumas delas ainda hoje, inclusive, por conta dos amigos que você fez do outro lado do mundo. E prometo não me estender muito. Cheguei aos 55 anos muito bem resolvido para não achar nenhum drama irmãos não se falarem. Afinal, você sabe, de certo modo essa foi nossa escola, o modelo que vimos de perto. E somos, afinal de contas, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, nada além disso. Gostos diferentes, visões de mundo diferentes, estilos de vida, e de trabalho, e modus operandi com as relações sociais muito diferentes. Natural que não tenhamos afinidades. O que não significa, em absoluto, que não haja, no mais recôndito da alma e do coração, imenso bem querer por essas pessoas (aqui em general speaking, como Dani adorava dizer) que são nada mais, nada menos, do que parentes. Família, você sabe, tem para mim - e sei que para você também - outro significado. Fazemos parte, se muito, de uma mesma família consangüínea. O que não impede, e aqui falo no particular, stricto sensu, que eu não tenha por você um imenso bem querer. E nessas datas, nessas efemérides, vêm a tona, e se sobrepõem a todo e qualquer mal-entendido, as melhores lembranças. Afinal, desde que nascemos - até o último dia - estamos em busca de sobreviver. E ninguém busca a sobrevivência com o que não é bom. Então hoje, na véspera dos seus 50 anos, sou tomado, porque sou assim, por uma série de lembranças que me impelem a, mesmo diante da hostilidade que enfrentei quando te mandei uma, duas, três ou quatro mensagens antes de sua última viagem de volta a Paris, te escrever. Veja você. O seu unfollow foi, de fato, um gesto hostil que me fez decidir, depois de ouvir, inclusive, gente muito próxima a nós dois, não ir mais ao seu encontro em Paris. Mas isso, por conta do seu gênio, bastou para esse rompimento. É mais um na minha vida. Estou acostumado. Sou cascudo. Foi isso que eu quis viver, poderia dizer blanquianamente, como na canção Bodas de Sangue, que ele escreveu por ocasião de seu cinqüentenário. Dito isso, receba o virtual fraterno abraço que a condição atual permite, um beijo, um cafuné nos seus grisalhos cabelos, como os meus, uma festinha no rosto como as tantas que fiz quando você era um bebê que me enchia de uma (falsa) sensação de responsabilidade, eu na condição de filho mais velho. Papai e mamãe têm, agora, três filhos com mais de cinqüenta anos, e eu imagino a sensação que eles experimentam por conta disso. Se a vida for generosa comigo, como tem sido até agora, viverei até os 100 anos para ver Leonel fazer 50. Um beijo, querido. Aproveite seu dia e a sua feijoada no sábado. Não será, tenho certeza (afinal de contas sou vaidoso demais), tão saborosa como a minha. Mas você estará cercado de quem quer, da família que escolheu. E é isso, ao lado de saúde, paz interior e sensação de dever cumprido a cada noite, que de fato importa na vida. Os orixás, os deuses nos quais creio, te abençoem hoje e sempre. Com amor, Edu.”
Até.
DAS PRATELEIRAS DO BUTECO DO EDU
O texto O orgulho de mamãe é de 23/01/2008, quando ainda funcionávamos como uma família-margarina (o texto pode ser lido aqui também) é divertido e foi ligeiramente melancólico lê-lo. Mas, sobretudo, significativo. Porque está tudo aí, para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir. Há quem se regozije com os alicerces destruídos - e geralmente por vingança por conta de um passado trágico. Há quem faça das ruínas a possibilidade de novas construções. Eis o texto:
“Lá em casa éramos três (somos, ainda, com a graças dos deuses, mas refiro-me à tenra infância, por isso o uso do pretérito imperfeito): eu, de 69, Fefê, de 71, e Cristiano, de 75.
Segunda-feira passada, mantendo uma tradição que começou em 1994, lá se vão quatorze anos, desde os tempos em que vacas obesas tentavam, sem êxito, prejudicar meu pasto, houve jantar de gala na casa de papai e mamãe (a Lina, minha cunhada preferida, há de observar, com sarcasmo, que falo “casa de papai e mamãe” e não “casa de mamãe e papai”, eis que para ela mantenho doentia relação de idolatria com meu velho).
Lá estávamos eu, minha Sorriso Maracanã, Fefê, Lina, e – evidentemente – papai e mamãe. O jantar foi aquele tradicional deleite de todas as segundas-feiras… Bebericamos um uísque no salão branco, beliscamos uma coisa ou outra, abrimos um portentoso vinho, fizemos o costumeiro e franco brinde, até que fomos à mesa no salão de jantar, onde nos esperava um verdadeiro banquete, comme il faut.
Os jantares lá são – todos – rigorosamente imperdíveis. Digo e repito: a presença dos meus velhos são, para mim, combustível para manutenção dos alicerces tão bem fundados em mim.
Mas vamos ao que interessa, que estou enrolando vocês, confesso.
Após o jantar, enquanto todos decidiam entre as incontáveis opções de sobremesa postas à mesa (sorvete de creme, sorvete de flocos, sorvete napolitano, jujuba, goiabada com queijo e banana com canela) – é sempre assim -, escapei e voltei à prospecção das fotografias – são milhares, milhares! – com minha história pessoal.
E voltei com um tesouro nas mãos.
Antes, preparei o clima e passei a contar, numa espécie de performance improvisada, sobre uma interessante faceta de mamãe.
Crescemos ouvindo mamãe dizer, orgulhosa, principalmente diante das crescentes notícias sobre a violência no mundo:
– Filho meu JAMAIS – esse jamais era dito de maneira ritmada, as duas sílabas bem pronunciadas – pegou num revólver, numa metralhadora de brinquedo! Imagina! Imagina! – falava olhando para o teto da sala diante da TV como se falasse com Deus.
Bastava aparecer um sobrinho, um afilhado, um filho de uma amiga, que fosse, com um inocente revólver de plástico, desses que esguicham água, para mamãe estrilar:
– Mas onde é que vamos parar? Precisa dar uma arma dessas pra criança?!
Às vezes, lembro-me bem disso, mamãe exigia o testemunho de papai:
– Isaac, algum dia algum dos meninos pôs o dedo numa dessas escabrosas armas de brinquedo?
Hoje, tudo faz sentido. Papai nunca a respondeu. Como ele fumava, nessa época, e fumava muito (coisa de três, quatro maços de Shelton Lights por dia), a resposta sempre foi uma longa e demorada expelida de fumaça em anéis intermináveis.
Eis, meus poucos mas fiéis leitores, a foto em tamanho gigante que encontrei, datada de junho de 1972 (tinha eu, portanto, três anos de idade), obra da Companhia Fotográfica Euclydes, com sede na cidade de Lins, em São Paulo (isso devia ser um luxo!):
Peço a quem for do ramo – como meu querido Flavinho, por exemplo – que me diga o que é que tenho nas mãos, no instantâneo acima.
Ah, sim. Após a exibição da fotografia na segunda-feira, como não havia mais condições de sustentar seu discurso pacifista, mamãe retirou-se da mesa para dar uma ajeitadinha na cozinha e papai riu, de engasgar, durante dez, doze minutos.
Até.”
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei poucas coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado*, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito), lançado em dezembro de 2005. Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
Vamos a um spoiler: ano que vem lançarei Meu lar é o botequim, edição de 20 anos. Revisto, reescrito, mas com o mesmo espírito que norteou o lançamento em dezembro de 2005.
UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus poucos mas fiéis leitores, uma das playlists que montei no Spotify - Rio de Janeiro - que já conta com 198 seguidores, 58 músicas, 3 horas e 30 minutos de som.
Ela será permanentemente incrementada (e eu aceito sugestões que podem ser enviadas por e-mail!).
Ela está aqui ou, se preferir, ouça já! - abaixo.
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e, repito, está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
Dúvidas, sugestões, críticas? É só responder esse e-mail ou escrever para edugoldenberg@gmail.com
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